2/05/2018 7:39 pm

Povo indígena Gamella ainda mais forte

Instituições como a Comissão Pastoral da Terra e o MIQCB apoiam o povo Gamella na luta pelo território

A segunda-feira (30/04/2018) amanheceu chuvosa e cinza. Talvez o prenúncio de como seria a cobertura do ritual, que marcaria um ano do massacre do povo Gamella, em Viana, distante 250 km de São Luís, capital maranhense. Afinal de contas relembrar o contexto violento de um ano atrás agregado ao descaso (ainda presente) de órgãos como a FUNAI, o preconceito social e institucional sofrido pela comunidade indígena e voltar a contar as histórias tristes da violência psicologia e física sofridas por homens, mulheres e crianças seria um desafio.

À medida que nos aproximávamos do território indígena dos Gamella, a chuva ficou para trás. O sol brilhou forte. Cores intensas disputavam a atenção; do azul intenso do céu ao verde dos campos da Baixada, inesquecível a paisagem. Assim como foi a recepção na aldeia dos Gamella; singela, acolhedora e amorosa. Impressiona como as comunidades e povos tradicionais são mestres na arte de receber. Valorizam a pessoa, o contato, o querer bem, mesmo que nunca tenham te visto.

“Os momentos foram de angústia, mas concentramos energias dos nossos encantados e com o coração machucado, reunimos forças para mostrar para o mundo que ressurgimos ainda mais fortes e resistentes na luta pelo território e pela coletividade”. As palavras são de Caw Gamella, uma das lideranças indígenas na abertura do ritual. Momento no qual compreendi que tinha nas mãos uma história de luta, força, resistência, coragem, solidariedade e amor para contar.

Histórias como a de Adeli Akroá Gamella (37 anos), um dos indígenas que tiveram as mãos reimplantadas. Ao longo do tratamento em São Luís encontrou Jeciene Guajajara. O sofrimento deu lugar ao amor. O amor o fortaleceu para enfrentar um novo desafio para um homem que sempre trabalhou; ficar “encostado” devido à imobilização das mãos por conta dos cortes profundos sofridos em 30 de abril de 2017, quando o povo Gamella sofreu uma tentativa de genocídio. Em dezembro de 2017, a esperança por dias melhores e para continuar a luta se renovou; chegou Artur o primeiro neto. “Estou aqui hoje não porque me deixaram viver, mas porque os agressores acharam que eu tivesse morrido e me largaram após me atacarem. Agradeço por estar vivo e tudo isso por que passei me fortalece ainda mais para continuar lutando pelo nosso povo”, ressaltou.

José Ribamar Mendes Akroá Gamella (51 anos) também é outra vítima que teve as mãos reimplantadas. “Tive forças para chegar até aqui, não vou desistir de lutar pelos direitos do povo indígena Gamella”, desabafou. Ele, assim como Adeli e seu José Andre Akroá Gamella (outra vítima), e toda a comunidade indígena sofre o que o jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) chama de racismo institucional. A advogada do CIMI, Viviani Vazzi, denunciou as dificuldades impostas pelas instituições. Na área de saúde, os feridos no massacre não recebem nenhum tipo de apoio financeiro pelo Estado para realizar o tratamento em São Luís. Pela FUNAI do Maranhão foi negado até hoje, apesar da instância superior em Brasília exigir, documento que os reconhecem como povo Gamella, para que as vítimas possam acessar os benefícios previdenciários e sociais, como por exemplo auxílio doença. “É um racismo que se acentua pela apropriação dos territórios dos povos e comunidades tradicionais tendo como fundamento que o modo tradicional de vida dessas pessoas é contrário ao desenvolvimento”, afirmou a advogada.

Uma rede do mal se forma para deslegitimar existência dos povos e comunidades tradicionais, incluindo os Gamella. No tradicional festejo do Bilibeu, realizado no final de abril, um deputado estadual do Maranhão, Jota Pinto, ocupou a tribuna da Assembleia Legislativa do Maranhão para denunciar que os índios estavam utilizando essa maneira de expressar a cultura para expandirem o território. Foi preciso os órgãos que acompanham o caso como CIMI e Comissão Pastoral da Terra e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, chamarem a imprensa para registrar a nova ameaça de ataque ao povo Gamella. O Ministério Público Federal foi acionado para que tomem as providências legais e cabíveis contra o parlamentar. Para outra liderança dos Gamella, Inaldo Kun-tum Gamela, o desafio do povo está em olhar pra frente com os pés sempre firmados no chão. “Esse chão é nosso, mas que não é dado, é conquistado. Isso impõe pra gente a responsabilidade de continuar a luta”, ressaltou.

Durante o ritual de um ano do massacre, Inaldo falou sobre a necessidade do povo Gamella de se posicionar com relação à identidade indígena e o preconceito que sofrem “Em nossos endereços têm que constar os nomes das nossas aldeias, temos que ser identificados como índios e não pardos e nossas crianças têm que ser registradas já com o nome indígena sem nenhuma autorização de diretor de maternidade”, enfatizou. Ele refere-se a um direito conquistado por meio da Defensoria Pública Estadual junto ao Cartório de Viana. No entanto, na maternidade as mães Gamella têm que aguardar documento assinado pela direção da maternidade para encaminhamento ao cartório, procedimento desnecessário para os outros bebes nascidos na instituição. A luta dos Gamella é por tudo; saúde, educação, identificação, território. “Não basta somente uma luta justa, é preciso a união, pois a força dos pobre também está no número, para fortalecer todas as demandas. E se fortalece é na marra não tem outro jeito”, afirmou Inaldo.

Dispostos e focados em uma luta leal e justa o povo Gamella segue fortalecido. É como posicionou o advogado da CPT, Rafael Silva, que acompanha os Gamella há algum tempo. “A força de luta dos Gamella transcendeu a morte. Isso é uma força de luta de quem soube resistir e sobreviver sem precisar destruir. Vieram com balas e o povo Gamella respondeu com sementes”, enfatizou.

Situação dos Gamella

  • Morosidade no inquérito policial instaurado pela Polícia Federal acerca do episódio criminoso ocorrido em 30/04/2017 no povoado Bahias (Viana). O processo não caminhou. As pessoas feridas sequer foram ouvidas, sendo que nem os laudos da perícia médica foram anexados ao inquérito. Até agora não houve apuração e ninguém foi preso;
  • O grupo Técnico Multiprofissional da FUNAI que deverá elaborar o relatório Circunstancial de Identificação e Delimitação do território ainda não apareceu na região. A primeira visita está prevista para o mês de maio;
  • A FUNAI do Maranhão se nega a emitir declaração aos feridos no massacre. Sem o documento, eles não podem acessar os benefícios previdenciários e sociais, como o auxilio doença;
  • Mensagens constantes são encaminhadas aos familiares dos Gamella dizendo que a qualquer momento um extermínio será realizado no local;
  • O povo Gamella tem receio de serem atropelados e as crianças são as mais prejudicas devido terem que diariamente se deslocarem para as escolas pela estrada que passa em frente a aldeia;
  • Os bebês Gamella têm que sair da maternidade com documento assinado pela direção da maternidade para então serem registrada no cartório como Gamella. O procedimento não é o mesmo para outras crianças;
  • Durante a tradicional festa do Bilibeu, o deputado estadual Jota Pinto, na tribuna da Assembleia Legislativa do Maranhão proferiu discurso que incitou a violência, atenuando ainda mais a rivalidade entre os indígenas e os proprietários rurais. O CIMI
  • acionou o Ministério Público Federal para as providências.

Entenda o Caso

Em 30 de abril de 2017, o povo Gamella, que vive no povoado Bahias, município de Viana no Maranhão, foram atacados por um grupo de mais de 200 pessoas. Segundo relatos dos indígenas, ao se retirarem de uma área retomada sofreram uma investida de um grupo de homens armados de facões, paus e armas de fogo. Segundo o Conselho Indigenista Missionário-CIMI, 22 indígenas feridos foram internados em hospitais de São Luís e pelo interior do Estado. Um deles levou dois tiros, outros três tiveram as mães quase decepadas, na altura do punho, e outro, além das mãos, teve os joelhos cortados nas articulações.

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