30/05/2020 6:52 pm

SOMOS FILHAS DA MÃE PALMEIRA. SOMOS GUARDIÃES DA FLORESTA E DIZEMOS NÃO AO PL DA GRILAGEM

O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu vem manifestar sua posição de total repudio ao teor da MP 910/2019 (arquivada) e do atual PLC 2633/2020, iniciativas legislativas do Governo Federal e do Congresso Nacional que atacam os direitos à terra, território e à sociobiodiversidade de milhares de comunidade tradicionais e povos originários; mas premiam a prática da grilagem, do desmatamento e a apropriação ilegal e imoral do patrimônio público.

Há trinta anos quando o MIQCB se propôs a organizar a ação das quebradeiras de coco babaçu como Guardiães da Floresta, contávamos a existência de 25 milhões de hectares de babaçuais no território nacional. O babaçual é uma floresta secundária que consegue se firmar em condições adversas, regenerando solo, água, biodiversidade e ar quando a cobertura nativa é arrancada da terra. Mesmo sendo uma espécie resistente, raiz fonte de nossa força, a luta pela proteção aos babaçuais é desigual diante da violência da ação predatória e do poder político e econômico da pecuária, dos madeireiros, da mineração, da sojicultura, da biopirataria e dos especuladores da terra.

Nossa voz sempre esteve ativa, mas as denúncias que fizemos desde nossas ancestrais não foram ouvidas pelo Estado Brasileiro, o mesmo que titula a grilagem e licencia o desmatamento. Nosso livre acesso aos babaçuais foi barrado por cercas eletrificadas dos pequenos grileiros, pelas patrulhas armadas dos grandes empreendimentos econômicos ou pelos rótulos da indústria de alimentos, higiene e beleza que acessa nossos conhecimentos sobre o patrimônio genético dos babaçuais sem nos reconhecer como guardiães e construtoras desse conhecimento.

Sangrando vimos desaparecer 7 milhões de hectares de Babaçuais da Amazônia e do Cerrado nos últimos anos e neste ato denunciamos que as medidas apresentadas pelo PLC 2633/2020 agravam a realidade de conflitos violentos e negação de direitos contra a qual já lutamos.

Usando indevidamente o nosso nome, o governo federal, representado nas ações e falas do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, e parte do Congresso Nacional querem aprovar o PLC 2633/2020 sob o argumento de “simplificar a regularização fundiária para os pequenos”.

Este é o mesmo objeto da Lei nº 11952/2009, que criou o Programa Terra Legal. A lei, que limitou modalidades de regularização que atendessem a diversidade dos povos do campo, das águas e florestas, não cumprindo com a Politica Nacional de Reforma Agrária, será piorada caso o PLC seja aprovado e é significativo em nosso cotidiano os impactos negativos da extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelo atual governo, da falta de informações sobre transparência e duração razoável de processos de regularização fundiária que assentem famílias e povos, ao mesmo tempo que crescem vertiginosamente títulos individuais concedidos, sobreposição de informações de sistemas como SICAR e SIGEF, do corte orçamentário na ordem de 80% para funcionamento do INCRA, IBAMA, Palmares, FUNAI, ICMBio, da extinção do Conselho de Povos e Comunidades Tradicionais, do contingenciamento e extinção de programas de incentivo e subvenção à agricultura familiar e aos produtos da biodiversidade e agroecologia.

O PLC 2633/2020 em seus dispositivos não se referencia nas bases constitucionais da politica agrária e fundiária, dirigida “aos pequenos”, tampouco cumpre os princípios de politica ambiental e de reconhecimento de povos ou comunidades tradicionais. Ao contrário, valoriza o abuso do poder econômico e desconsidera que a destinação de terras públicas federais deve priorizar a reforma agrária e a regularização fundiária com justiça socioambiental, promoção da cultura para subsistência e geração de renda. Permite a compra de terras públicas por ocupantes recentes, a valores irrisórios, mesmo que não cumpram os requisitos de pequeno agricultor. Equipara a efetiva cultura de subsistência a empreendimentos que apenas gerenciam o trabalho de terceiros sobre a terra ou que a explore para qualquer fim sem cumprir as exigências de preservação ambiental. O Projeto prevê emissões de titulo com base na autodeclaração e em processos remotos, georreferenciados, sem a prévia ação administrativa e judicial de discriminar as terras públicas federais. Dispensa a participação de confrontantes que também reivindiquem direito sobre a terra e sacramenta o desmonte do INCRA quando amplia para 6 módulos fiscais a titulação sem a ação de técnicos da instituição in loco. A medida silencia e portanto agrava conflitos socioambientais pois impede que ocupantes de boa fé possam ter conhecimento de pretensões sobre a terra em que vivem e produzem e se defendam da injusta ameaça de expulsão e privação dos meios de vida.

Como se não bastasse, a venda de terras publicas se destina a pessoas físicas e jurídicas, mesmo aos que já possuam imoveis cuja soma não ultrapasse 2500 hectares, aprofundando a concentração de terras. Os imoveis podem ser negociados em 3 anos após adquiridos evidenciando que não se destinam a unidade familiar que se fixa na terra para viver e produzir. O imóvel adquirido em compra parcelada pode ser dado em garantia por empréstimos contraídos junto a instituições de credito mesmo antes da quitação; o que significa que um bem publico federal será utilizado para fins particulares do “investidor” ou da instituição financeira, contrariando a Constituição Federal e estimulando a especulação fundiária.

O PLC apesar de textualmente afirmar que não se dirige a povos e comunidades tradicionais, valoriza apenas um modo de relação com a terra e natureza, modo que impacta e torna impossível que os modos de vida tradicionais sejam praticados e sustentados. Ao priorizar a titulação individual, estimular a concentração de terras e a especulação e dispensar rigidez na comprovação da regularidade ambiental do imóvel, desconhece o valor em si de cada bem da natureza e as formas comunais de posse e uso da terra. Ignora os objetivos fundamentais da Republica Brasileira, como o da pluralidade étnica e social. Nem mesmo assegura o básico conceito legal de “compatibilização” entre as politicas fundiárias, agrárias e ambientais, prevista no artigo 188 da Constituição Federal. O projeto premia quem se apropria das terras publicas federais através da queimada, do desmatamento, da extinção da sociobiodiversidade da Amazônia e do Cerrado.

Ademais, nós quebradeiras de coco orientamos nossas relações sociais pela reciprocidade. Cuidamos bem de nosso lugar, também como forma de cuidar bem do outro semelhante, cuidar bem da palmeira que tudo nos dá, cuidar bem de nós mesmas, de nossa história, de nossas crenças, de nossos saberes, cuidar bem da comunidade vizinha, que por sua vez cuida dos rios e águas por nós e assim estamos todas e tudo conectados. Queremos ressaltar que os babaçuais são uma das florestas que mais retira gás carbônico da atmosfera, sendo sua preservação fundamental para a manutenção da vida. Ao denunciar o PLC 2633/2020 estamos também cuidando da manutenção da vida em todo planeta.

A cada palmeira derrubada pelo pecuarista, nos derrubam junto, a cada palmeira envenenada por agrotóxico pulverizado pelo agronegócio, nos envenenam a nós, a cada parcela do solo tornada em um bem econômico sem direito à proteção pelo especulador, a cada coco entregue a pesquisa e tecnologia de empresas que lucram à base de nossa morte intelectual e física nos tornam coisa uma vez mais.

Não nos queremos “proprietárias” da terra, embora tenhamos e queiramos a efetivação do direito à titulação e segurança territorial. Nossa relação não se define por um titulo ou quantia paga pelo hectare de terra, metro cúbico de palmeira ou quilo da amêndoa. Somos a terra, sabemos a terra, somos a palmeira, sabemos a palmeira. Não são as mulheres que ajuntam o coco. É o coco que ajunta as mulheres independente de cercas ou títulos. A essa relação de saber e sentir a nossa existência e a da natureza como extensão uma da outra é o que chamamos de território e reivindicamos que ele seja reconhecido e garantido pelo Estado Brasileiro.

A proposição de projeto cuja matéria repercute de forma negativa e grandiosa sobre nossos vidas em plena pandemia é inaceitável, pois objetiva silenciar, impedir a realização dos processos democráticos a que temos direitos por força da legislação nacional e pelo reconhecimento internacional de nosso direito à Consulta Previa, Consentida Livre e Informada.

Somos mais de 400 mil mulheres que vivem com suas famílias daquilo que nos dá e nos ensina a mãe Palmeira de Babaçu. Movimentamos a economia de mais de 271 municípios brasileiros incentivando a autonomia das mulheres, as trocas econômicas justas, a valorização do modo de vida tradicional, a segurança alimentar e nutricional e as práticas agroecológicas como base das relações com a natureza, com o semelhante.

Este modo de viver que ajuda a tirar da miséria e da sujeição milhares de famílias brasileiras está diretamente no alvo da MP 910/2019 e agora do PLC 2633/2020. Chamamos o Congresso Nacional, em especial os presidentes da Câmara e Senado e os parlamentares dos estados do Maranhão, Pará, Piaui e Tocantins a suas responsabilidades de se posicionarem pela impossibilidade de pautar e aprovar o PLC pelas ilegalidades, inconstitucionalidades e injustiças que representa.

Nos juntamos a todas as vozes que se levantam contra o crime em curso contra a natureza, portanto contra cada um de nós e principalmente contra nós povos e comunidades tradicionais. Nos juntamos a quilombolas, indígenas, camponeses, geraizeiras, marisqueiras, castanheiras, faxinalenses em um grande NÃO AO PLC 2633/2020; pela reforma agrária, pelo reconhecimento aos modos de vida tradicionais e nosso direito aos territórios e babaçu livres, pela vida das mulheres, pelas florestas em pé, pelas águas, pela vida na Amazônia e no Cerrado.

Apoie, pressione e compartilhe esse Manifesto!

Assine nossa petição: https://forms.gle/DjyC4qoj6LXMmoLg9

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