17/07/2024 5:13 pm

Primeiro Intercâmbio Comunitário apoiado pelo Fundo Amazônia reuniu quebradeiras de coco de três regionais do MIQCB

O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) realizou o primeiro Intercâmbio Comunitário por meio do Projeto Floresta de Babaçu em Pé, apoiado pelo Fundo Amazônia. As atividades aconteceram no dia 10 de julho, em território indígena Akroá-Gamella, na Aldeia Nova Vila de Taquaritiua; e no dia 11 de julho no Território Sesmaria do Jardim, na planície alagada do Maranhão. 

As quebradeiras do Tocantins e da Regional Imperatriz se uniram para visitar a Regional da Baixada Maranhense. Apesar da visita ter durado apenas dois dias, a viagem de van durou quase 30h no total. Na saída, a expectativa já tomava conta das mulhere, “quando conheci as quebradeiras da baixada no Centro de Formação, em São Luís, eu já dizia: um dia vou conhecer o território de vocês, e esse dia chegou, nem consigo acreditar”, disse Maria Antônia de Oliveira Silva, da Comunidade Pequizeiro no Tocantins. 

Ao chegar em Vila Nova de Taquaritiua, as mulheres foram acolhidas pelas anfitriãs, cada casa abrigou um grupo de três pessoas para, na manhã seguinte, reunir todas as quebradeiras e equipes na casa de produção coletiva, ocasião em que colocariam em prática a troca de experiências que o Projeto do Intercâmbio se propõe a proporcionar. 

Depois da mística e do café da manhã, a primeira conversa foi sobre a caminha e a resistência do Grupo Produtivo de Taquaritiua. Logo no início da conversa, um rosto conhecido e de longa data foi reconhecido, a primeira coordenadora geral do MIQCB Zulmira Mendonça compareceu ao intercâmbio. Entre abraços de saudade e declarações de agradecimentos, Francisca Vieira, que hoje é coordenadora de base da Regional Tocantins, contou que é uma “alegria rever essa companheira que foi minha primeira chefe no MIQCB”.

A coordenadora executiva da Regional Baixada, Vitória Torres Mendonça, mais conhecida como Bárbara, agradeceu a presença de Zulmira. “A gente não pode falar d e luta sem lembrar do trabalho de Zulmira aqui na região, desde o início, de quando eu comecei a participar do movimento, ela já organizava as reuniões Sem essa luta, essa resistência e essa persistência a gente não estaria aqui”.

As quebradeiras da aldeia Vila Nova de Taquaritiua são referência quando o assunto é atuação política em defesa do território e de articulação produtiva. Apesar de terem começado em um grupo pequeno de até cinco mulheres, hoje as associadas chegam a comprar coco babaçu de outras quebradeiras para dar vazão à quantidade de demanda. 

A liderança tronco da comunidade Maria Demetriz Mendonça Santos contou histórias de resistência e luta desde que elas decidiram se organizar. “Se tivesse qualquer derrubada a gente se juntava, chegamos a ter um grupo ativo de até 30 pessoas”. Até hoje a comunidade realiza a festa anual para celebrar a retomada do território depois do massacre em 2015, com o apoio da Teia dos Povos. 

Nessa época muitas pessoas deixaram os grupos, mas isso não esmoreceu as quebradeiras. Demetriz ainda reforçou que “as covardes sempre saem, mas as corajosas sempre ficam”. Foi assim que iniciaram a atividade de produção coletiva do azeite de babaçu. O montante é dividido entre as associadas e parte dele é reinvestido em manutenção e compra de novos maquinários, mas nem sempre foi assim. “Nós trabalhamos por cinco anos sem coletar recursos, somente investindo, foi muito difícil no começo”, completou Demetriz.

As mulheres também apresentaram como fazem com as divisões de tarefas e lucros e quais as regras para fazerem parte dos ganhos. Por meio da prestação de contas elas conseguem manter controle sobre as vendas, investimentos e lucros, “melhoramos a unidade produtiva aos poucos”, explicou Vitória. 

A pandemia prejudicou a produção e a venda dos produtos e desde então as mulheres têm trabalhado para recuperar o ritmo de produção e aumentar a entrega de produtos. Mas tem uma regra que é imprescindível para elas: “Não compramos a amêndoa de qualquer quebradeira, priorizamos as comunidades que têm uma relação de proteção e preservação das palmeiras. Esse processo político é importante para que a unidade produtiva também contribua com a defesa do Babaçu e quebradeira livre”, explicou a coordenadora executiva da Regional Baixada.

Uma forma de vender em larga escala e garantir a saída do produto é participar das políticas públicas como Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), além da Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio), que é o sonho das quebradeiras do Tocantins. “Já são anos tentando incluir nossa produção no PGPMBio, estar aqui e ver como elas fazem na Baixada nos ajuda a realizar esse desejo”, pontuou a assessora técnica da Regional Tocantins, Elizete Araujo. 

Ainda no primeiro dia de intercâmbio, a mestre e assessora da Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) Ariana Gomes, que já atuou como assessora técnica da Regional Baixada do MIQCB, apresentou a sua pesquisa de mestrado desenvolvido no território de Taquaritiua “Coco e Cocar: lutas, resistências e identidades compartilhadas das indígenas e quebradeiras de coco Akroá Gamella”.

Para Ariana, a troca de experiências proporcionada pelo intercâmbio é o momento ideal para apresentar o resgate histórico da história das quebradeiras indígenas para outras pessoas, principalmente porque esse trabalho registra a atuação delas também diante da Academia. “Essa pesquisa foi feita a partir de uma inquietação que não partiu exatamente minha, mas das mulheres aqui do território. Essa análise identifica como elas são vistas pelos de dentro, mas também pelos de fora da comunidade, a partir desse olhar de luta por babaçu livre e por território”. 

Para finalizar o primeiro dia, as mulheres foram convidadas a conhecerem a Unidade Produtiva de Taquaritiua. A coordenadora de base da Regional Imperatriz do MIQCB Luzeny dos Santos ficou feliz com os novos aprendizados adquiridos nesse primeiro encontro e reforçou: “nós já estávamos empolgadas com esse intercâmbio, agora estamos maravilhadas com a possibilidade de continuar com esse projeto para conhecer outras vivências mais”. 

Segundo Dia

O segundo local programado para a visita foi o Território Sesmaria do Jardim, na Comunidade São Caetano. A primeira atividade foi uma conversa para decidir a sequência das atividades, já que estavam programadas várias visitas a diferentes espaços. Para aproveitar as sombras e o sol do amanhecer, as mulheres escolheram as visitas pela manhã e a roda de conversa com a comunidade à tarde. O primeiro local foi a planície alagada da Baixada Maranhense, ocasião em que as quebradeiras anfitriãs puderam mostrar a Área de Proteção Ambiental (APA) que está tomada pela manada de búfalos de grandes proprietários da região. 

No período de verão a seca da região forma poções, onde os peixes disputam espaço com os búfalos e os proprietários colocam cercas ao longo de toda a extensão. Isso impede a pesca, que era o modo de vida tradicional das comunidades do entorno. A manada contamina a pouca água que sobra, por consequência, os peixes ficam impróprios para consumo.

No inverno, a planície enche e alaga toda a região dos bancos de areia e os búfalos conseguem passar pelas cercas tomadas pelas águas. Para os moradores das comunidades, no entanto, é um perigo. Os barcos e seus motores podem bater nas estacas fios debaixo d’água. “Uma família inteira perdeu a vida desse jeito e não tem muito tempo”, como declara a moradora e atual diretora da Cooperativa Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (CIMQCB), Maria da Glória Trindade Belfort.

“A nossa luta é pelo respeito à APA. Se tivesse fiscalização esses búfalos não estariam andando livremente nos nossos quintais. Eles chegam a pastar na nossa porta e pelo meio do babaçual. Perdi as contas das vezes que eles me deram uma carreira, quando não machucam a gente”, descreveu Maria da Glória.

O segundo momento da visita foi na Tapera, dentro do babaçual, local sagrado para as quebradeiras de coco de São Caetano. A liderança tronco local, Maria Antônia Trindade, contou que vários artefatos de seus antepassados foram encontrados no local. “Isso emociona a gente, é registro de que meus bisavós já estavam aqui há décadas”. Na clareira do babaçual, as mulheres puderam entender como as pindobas que nasciam eram remanejadas para áreas ainda em processo de reflorestamento. 

Na caminhada de ida e de volta do babaçual, por dentro da mata fechada, era possível ver e ouvir alguns búfalos invasores, além de desviar de seus excrementos. O que deixou as visitantes impressionadas com a situação. “A gente já ouviu elas falarem sobre isso, mas não imaginávamos que os búfalos atrapalham tanto a vida delas aqui, eu vi um passando na porta do quintal hoje mais cedo”, exclamou Maria Antônia.

Na volta, uma visita à Casa de Produção local surpreendeu, um tacho de biscoitos de babaçu acabava de sair do forno. O momento de degustação reuniu uma quebradeira de cada Regional em uma conversa de códigos, palavras utilizadas para nomear partes das palmeiras e até ferramentas de trabalho eram diferentes para cada uma delas. Enquanto o Tocantins quebra o coco com cacete, em Imperatriz é chamado macete e na Baixada usam o mancete. 

“Veja como vivemos o mesmo modo de vida, mas as culturas são diferentes. Cada uma tem um jeito de nomear a sua lida, somos diversas até entre nós”, disse a assessora da CIMQCB das regionais Tocantins e Imperatriz Rosalva Gomes. O olhar dela sobre a cultura e a identidade é minucioso, seu conhecimento é traduzido em músicas e poemas. Suas composições descrevem as quebradeiras que pode ser resumido em seu verso “quebradeira junta coco, coco junta quebradeira”, para descrever a prática laboral e o movimento.

Por fim, na roda de conversa, as quebradeiras de coco de Sesmaria do Jardim tiraram as dúvidas das companheiras visitantes. Questões sobre como está a produção local, o que elas têm feito para lidar com a manada de búfalos e como elas dividem os trabalhos da coleta à entrega de diferentes produtos pautaram a tarde. 

As mulheres de Sesmaria não produzem apenas o biscoito de babaçu, mas também os bolos, azeite e até pudim. As produções são vendidas nas feiras locais e em projetos de políticas públicas para agricultores familiares. A conversa foi finalizada com o famoso pudim que conquistou o paladar de todas. “Nossa, que delicia. Eu quero a receita!”, exclamou Edileuza Oliveira, coordenadora de base da Regional Imperatriz.

A vice-coordenadora geral do MIQCB e coordenadora executiva da Regional Tocantins, Ednalva Ribeiro, declarou que o intercâmbio comprovou que a experiência enriquece o aprendizado das quebradeiras umas com as outras. “Aquilo que eu não sei fazer aprendo com as outras, essa é a vantagem do movimento. É uma satisfação poder reunir, debater e organizar a troca de experiências entre as regionais presentes”.

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