O Parque da Residência, que um dia já foi a Residência Oficial dos Governadores do Estado do Pará, abriga a Secretaria de Estado de Cultura (Secult) atualmente. Não poderia ser mais emblemática a escolha desta secretaria para iniciar o que seria uma série de reuniões das quebradeiras de coco babaçu com secretários de Estado em Belém.
Na última terça-feira, 26, as quebradeiras estiveram no casarão que possui aspectos da arte e arquitetura do século XIX, tempo em que as mulheres poderiam sequer exercer o voto, quanto mais adentrar as portas do Estado como proponentes de políticas públicas.
As coordenadoras da Regional Pará representaram o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) diante da Secretária Ursula Vidal, gestora da pasta de cultura do Estado. Elas buscaram a Secult para dialogar sobre acesso às políticas públicas de responsabilidade da secretaria e apresentação de propostas já desenvolvidas pelas quebradeiras.
A ideia inicial era apresentar o Projeto de Lei nº 340/2023, de iniciativa do Deputado Estadual Bordalo; e propor a construção conjunta da Lei Babaçu Livre no Pará, já desenvolvida pelas próprias quebradeiras há décadas, inclusive já aprovada nos Estados Piauí e Tocantins.
O projeto de Bordalo propõe reconhecer quebradeiras de coco babaçu como Patrimônio Imaterial do Pará. As quebradeiras querem contribuir para que a Lei seja complementada com direitos inerentes à tradicionalidade dessas mulheres. Já a Lei Babaçu Livre contempla todo um arcabouço jurídico de proteção e fiscalização para a garantia dos direitos das quebradeiras, das palmeiras de babaçu e de seus territórios.
As quebradeiras do Pará utilizam o texto da Lei Babaçu Livre do Estado do Piauí como referência. Algumas adequações para atender à realidade delas foram feitas, mas já possuir um texto vigente contribui com a força de organização, articulação e mobilização, como afirma Cledeneuza Bizerra, coordenadora Executiva do MIQCB Regional Pará.
“No MIQCB é assim, quebradeira aprende com quebradeira, e nós trazemos a Lei do Piauí para demonstrar aos nossos representantes como é possível preservar, conservar e proteger a Amazônia apoiando as comunidades extrativistas locais. A COP 30 ainda será em 2025 e o Estado do Pará tem a chance de apresentar a nossa Lei como modelo de compromisso efetivo com as comunidades tradicionais”, reforçou Cledeneuza.
Para isso, as quebradeiras recebem o apoio do professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) Bernardo Tomchinsky. Ele tem contribuído com o texto que pretende condicionar a existência das quebradeiras de coco, uma vez que elas sejam consideradas patrimônio cultural imaterial do Pará. “Sem palmeira não tem quebradeira, por isso que essa Lei, se aprovada, precisa determinar algumas condicionantes”.
A professora Josilene Mendes, que já acompanha as quebradeiras de coco babaçu há muitos anos, inclusive por meio de produção científica com pesquisas acadêmicas, disse que o momento é oportuno e importante. “O diálogo com a Secult é essencial para o reconhecimento das práticas culturais de (r)existência das quebradeiras de coco babaçu no Pará, ainda mais pelo fato do Estado ainda não ter uma Lei do Babaçu Livre”.
Esses instrumentos estaduais auxiliam na proteção do saber fazer das quebradeiras. Segundo a assessora jurídica do MIQCB Renata Cordeiro, a legislação pode ser o impulso inicial para que proteção aos babaçuais, territórios e da vida das quebradeiras estejam garantidos. “O objetivo principal é dizer para a sociedade e por vias oficiais que no Pará tem quebradeira”.
A conversa com a secretária Ursula foi duradoura e informativa, sua postura diante das quebradeiras foi profissional e prestativa. Ela afirmou que está disposta a contribuir. “Nós estamos aqui para auxiliar no que for necessário para que o reconhecimento das quebradeiras seja tecnicamente conciso”.
Na oportunidade, Ursula envolveu a diretora do Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC) Rebeca Ribeiro, que explicou como o pedido das quebradeiras se encaixa nas diferentes categorias do reconhecimento e indicou os caminhos protocolares para que o pedido fosse analisado.
A Secretária de Estado identificou que o pedido das quebradeiras possui elementos transversais da gestão governamental e acionou outros parceiros, como o Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, Raul Protázio Romão; e o presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Bruno Kono.
Segundo Ursula, Raul já conduz um trabalho relevante com as comunidades quilombolas e sugeriu uma reunião entre o secretário e as quebradeiras, que foi marcada para a tarde desta quarta-feira, 27.
Semas
O encontro com a equipe da Semas contou com mais pessoas da equipe. Uma dezena de pessoas, além das quebradeiras e sua trupe, ocuparam a sala do gabinete do Secretário Adjunto de Gestão Regularidade Ambiental, Rodolpho Zahluth Bastos.
Além da apresentação da PL e da Lei Babaçu Livre, as quebradeiras contaram um pouco sobre a sua história e geolocalização, uma vez que Rodolpho não sabia que existia quebradeira no Pará. “Toda a literatura que já tive acesso aponta a existência destas mulheres no Maranhão. É uma surpresa boa descobrir que elas também são paraenses”.
As mulheres explicaram sobre as fases da palmeira, as camadas do coco e o que fazem com cada parte dele. Elas também contaram como a palmeira não necessita de cultivo, já que ela coloca seus próprios cocos no chão que germinam e dele uma nova palmeira cresce. Outro assunto que interessou a equipe da secretaria foi a forma como a quebradeira se relaciona com a palmeira.
“O coco só é coletado depois que a palmeira bota ele no chão. A gente não corta o cacho, e mesmo o coco já no chão não recolhemos tudo que é para nascer mais palmeiras ali. Quando a gente fala que defende o babaçual não é apenas para que a quebradeira continue a existir, mas para preservar o ciclo que já é da natureza, da palmeira”, como expôs Fátima Rodrigues, coordenadora de base da Regional Pará.
A equipe da Semas propôs boas ideias que podem ser incluídas nos procedimentos e serviços do órgão, a fim de contribuir com a missão das quebradeiras em conservar as palmeiras de babaçu. Uma das ideias propõe vincular a quantidade de palmeira babaçu na propriedade vinculada ao pedido de licença ambiental, desta forma, quando houver nova atualização da documentação ou alguma atividade de fiscalização a Semas saberá se diminuiu ou aumentou a preservação da espécie naquela localidade.
“Dá para fazer! No momento em que o licenciamento da propriedade for destinado, uma área de proteção com prioridade para os babaçuais será incluída. Precisamos incluir as quebradeiras e o babaçu no nosso cadastro ambiental para que, ao liberar o licenciamento, alguns critérios sejam definidos. Se a gente vincula a liberação ao número de palmeiras existentes na propriedade fica registrado quantas existem naquela localidade e a gente consegue acompanhar a evolução da preservação naquele lugar, além de documentar o desmatamento, quando houver.”, como sugeriu a assessora técnica Selma Santos.
Se essa proposta for efetivada, a Semas poderá inclusive encaminhar esse registro aos órgãos que tratam da questão fundiária, é o que recomenda a assessora jurídica do MIQCB Renata Cordeiro. “Nossos esforços também estão voltados à garantia de território para essas mulheres e suas comunidades tradicionais”.
A coordenadora executiva do MIQCB Regional Pará Cledeneuza Bizerra reafirmou que a luta das mulheres é pela palmeira de pé. “O que queremos é que os fazendeiros não retirem as palmeiras. A gente quer a permanência dos Babaçuais para continuar com o nosso modo de vida tradicional”.
Muito trabalho ainda precisa ser feito, foi com essa sensação que a reunião terminou. A equipe da secretaria com o compromisso de contribuir com a conservação do meio ambiente por meio de mecanismos que protejam os babaçuais; e as quebradeiras com a esperança de que sua missão se torne ainda mais forte com essa parceria.
Iterpa
Na manhã seguinte, as quebradeiras se reuniram com o Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Frente ao presidente Bruno Kono, as quebradeiras apontaram os territórios tradicionais de quebradeiras de coco e seus desafios fundiários e que estão sob responsabilidade do Estado.
A conversa fluiu em torno da normativa legal, uma vez que a atuação do órgão está vinculada aos dispositivos legais, tanto nacional como estadual. As quebradeiras questionaram como o Iterpa pode contribuir para a proteção das palmeiras e manutenção do modo de vida tradicional das quebradeiras de coco babaçu.
Bruno ouviu as demandas das mulheres e solucionou suas dúvidas sobre como funciona o processo de regularização fundiária no Pará. “Nós já cooperamos com o ICM-bio para a regularização de terras públicas”, afirmou ele.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio) é uma instituição governamental ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA) que existe para proteger o patrimônio natural e promover o desenvolvimento socioambiental do Brasil.
Essa parceria entre unidade federal e secretaria estadual é importante para que as propostas, monitoramentos e fiscalizações das Unidades de Conservação (UCs) sejam articuladas e conjuntas, já que existem terras públicas que estão sob tutela da federação e outras sob responsabilidade do Estado.
O impacto dessa ação conjunta pode ser identificada nos territórios das comunidades tradicionais, é isso que esperam as quebradeiras, principalmente aquelas que estão localizadas nas divisas de reservas em que um lado é de responsabilidade do Estado e do outro da Nação.
MIQCB
MOVIMENTO INTERESTADUAL DAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU
REDES SOCIAIS
LOCALIZAÇÃO
2025 - Todos os direitos reservados - Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu - Desenvolvido por TODAYHOST